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Um Chile que clama por mudanças

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Fonte: Brasil de Fato

Milhares de estudantes nas ruas, universidades e colégios tomados, trabalhadores em greve e manifestações em defesa do meio ambiente criando uma crescente demanda popular por mudanças sociais, que pressionam um governo em crise. O cenário dessas agitações políticas está bem próximo ao Brasil, no também país sul-americano, Chile. Os protestos que ocorrem em diversas cidades chilenas ganharam repercussão e ecoaram no governo do presidente Sebastián Piñera, que trocou oito de seus ministros em meio à desaprovação popular – pesquisas apontam 61% de rejeição, a maior desde a redemocratização.

“Cada vez a negação ao modelo neoliberal do governo ficou mais instalada na consciência geral do povo e começaram a se produzir diversas greves e reações espontâneas de mobilização”, é o que afirma o secretário de Formação da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) do Chile, Víctor Ulloa. Em entrevista à Radioagência NP/Brasil de Fato, o sindicalista analisa o atual momento do país e aponta um futuro político incerto, sem um projeto claro e unitário da esquerda chilena.

Brasil de Fato – Quais são os principais elementos da atual conjuntura política do Chile?

Víctor Ulloa – Vou um pouco mais atrás, no ano de 2010, que foi relativamente tranquilo para o governo de Sebastián Piñera, porque não havia reação por parte da oposição política. Havia acontecido no Chile um terremoto catastrófico e logo veio o resgate dos 33 mineiros. Tudo isso fez com que as pessoas estivessem esperançosas. Também estava fresca a sua propaganda eleitoral, de que ia fazer muitas transformações na vida das pessoas, que as coisas iam muito bem, iam se aprofundar as melhorias sociais, econômicas e, particularmente, aos setores médios. Mas junto com isto, produziam-se muitos sinais contraditórios e erráticos por parte do governo. Creio que o ano de 2011 foi sufi ciente para que as organizações sociais e as pessoas respondessem com mobilizações muito massivas, como não havíamos visto desde os tempos da ditadura. As pessoas começaram a ver nitidamente que havia se instalado no poder político a cara mais dura do modelo neoliberal. Este não era um governo como os anteriores, que tinham políticas sociais. O povo vê que neste governo estão os representantes mais genuínos do modelo neoliberal e, portanto, veem que as políticas que eles apresentam sempre têm uma visível cara privatizadora, individualista, de respaldo ao setor empresarial.

Quando estas mobilizações tiveram início?

As pessoas começaram a se mobilizar por conta da instalação de centrais hidrelétricas [a partir de agosto de 2010]. Isso foi muito impressionante porque foi convocado por meio de redes sociais da internet, não houve direção política, não houve organizadores visíveis, mas houve muitíssimas pessoas nas ruas. Ninguém entendeu como rapidamente deixaram de transitar carros e ônibus para se encher quadras e mais quadras de gente que protestava. As autoridades e a polícia se deparavam com esse “problema estranhíssimo” e não sabiam o que fazer, pois não haviam solicitado autorização e não haviam avisado ninguém. Isso fez com que o governo tivesse que dar marcha atrás a um projeto famoso de instalação de uma termoelétrica em Punta de Choros. Isso deixou o governo muito mal frente a seus próprios pares da política. Logo, vem a aprovação de um projeto de hidrelétrica em Aysén [projeto HidroAysén, na Patagônia chilena, em maio de 2011], que foi a gota d’água para todos aqueles que têm uma defesa ambientalista. Também vimos como, aí convocados por grupos ambientalistas, muito mais gente que da vez anterior; passaram a encher as ruas do centro de Santiago com milhares de pessoas, que seguiram por várias semanas. Mas logo isso foi superado quando os estudantes saíram às ruas.

Como se deram as mobilizações dos estudantes, e o que eles reivindicam?

Os estudantes reivindicam algo que há muitos anos constitui um grave problema nacional, que é a privatização da educação. Foi um processo longo de progressiva privatização, que fez com que resultasse em uma educação extraordinariamente cara. Com o governo à frente promovendo políticas neoliberais na educação, os estudantes cultivaram seu sentimento contrário a essa educação privatizada, com cada vez menos colégios públicos. De forma organizada, saíram às ruas as federações de estudantes de todas as universidades tradicionais, que foram capazes de convocar também aos secundaristas. Foram milhares, calcula-se mais 120 mil estudantes em Santiago, que para essa cidade é muitíssima gente. E o que se produzia na capital, produzia-se em todas as cidades do Chile. Isso junto com greve geral dos professores se somando à defesa da educação pública. De maneira que em todo o Chile tínhamos professores, secundaristas e universitários em greve, com as sedes das universidades e mais de 200 colégios tomados pelos estudantes. Isso foi algo nunca visto, só nos tempos da ditadura. Esse foi um processo muito interessante, pois a convocatória para essa mobilização veio das federações estudantis, de estruturas mais orgânicas.

Como a população chilena encara as mobilizações estudantis?

Isso se transformou em uma mobilização cidadã, o conjunto da sociedade simpatiza com os estudantes, porque o tema da educação é um tema também dos trabalhadores, de toda a sociedade. Não só pelo custo que significa para os trabalhadores manter um filho na universidade, que é altíssimo, de mil a dois mil dólares mensais para cursos como o de medicina, arquitetura, engenharia civil, entre outros, nas melhores universidades privadas e públicas.

Mas sendo todos os cursos pagos, o governo oferece meios para que os jovens que não possuem condições financeiras possam cursar universidade?

O que o Estado oferece a esses jovens são créditos financeiros com prazo de quitação por 20 anos, com taxas de juros preferenciais. Há possibilidade de ingressar na universidade, mas se endividando por 20 anos. E logo se não pagam, são registrados em um boletim comercial que lhes fecha as portas para serem sujeitos comerciais confiáveis. Se aparecem nos boletins comerciais com dívidas, isso limita suas possibilidades de conseguir trabalho. Também há muitas bolsas de estudo, mas elas são absolutamente insuficientes. Com uma educação tão cara e de tão má qualidade, chega um momento que não se suporta mais. Eu acredito que o tema foi resgatado e se instalou: o Chile requer outro tipo de educação. Este governo não tem possibilidade de dar respostas com suas fórmulas aos problemas da educação pública chilena. Sua proposta está muito longe do que querem estudantes, professores e sociedade.

Sobre a paralisação por 24 horas dos mineiros da empresa estatal de cobre (Codelco), no dia 11 de julho, como ocorreu?

Essa paralisação teve adesão de 100% dos sindicatos de trabalhadores da empresa estatal de cobre do Chile, que são sindicatos muito poderosos. Foi impressionante porque foi uma paralisação ilegal, de acordo com a legalidade chilena – no Chile, uma greve só pode ocorrer no marco da negociação coletiva, o que acaba sendo uma “greve de mentira”, porque tem muitos modos de destruí-la por parte dos empresários. Esta paralisação não foi no marco da negociação coletiva, mas foi uma maneira de protestar contra a intenção de privatização de setores da mineradora estatal [que o governo chama de “modernização da economia”]. Foi uma forma de demonstrar a força sindical. A paralisação ocorreu no mesmo dia em que se celebrava os 40 anos de nacionalização do cobre do país, um dia muito importante chamado “Dia da Dignidade Nacional”, porque o Chile recupera o cobre no governo de Salvador Allende. Hoje em dia, já vemos que se instalou uma quantidade enorme de empresas transnacionais para exploração mineira do cobre.

O que significou a troca de oito ministros de Piñera no mês de julho para aplacar a crise do governo. Seria uma mudança ainda mais à direita?

Seguramente foi uma mudança à direita. São dois partidos de direita as principais forças no governo, um da direita liberal e outro da direita muito conservadora. Ambos competem por mais poder e influência no governo. Piñera é um empresário liberal investidor, que não faz parte dos industriais tradicionais do Chile. A partir dos erros do governo e os resultados das pesquisas de opinião, produz-se uma luta interna no mandato. O partido conservador que está no governo instalou alguns de seus melhores líderes entre os novos ministros. Alguns tiveram que abandonar o Senado para assumir o ministério e vão por em seu lugar no parlamento pessoas pertencentes ao mesmo partido. Eu acredito que é uma mudança que também vai gerar muito mal-estar, porque eles criticavam o governo anterior por fazer essas mudanças de cargo entre políticos do mesmo partido, como em uma “dança das cadeiras”. Essa é a segunda vez que tiraram líderes do Congresso para colocá-los como ministros. Eu creio que tem que ser uma situação de crise muito forte para que recorram a este tipo de solução.

Como o senhor interpreta o futuro político do Chile? Há um projeto de oposição forte?

A oposição política não aparece suficientemente sustentada ou reconhecida pela sociedade. A última pesquisa de opinião sobre a Concertación [coalização de partidos de centro-esquerda] – que foi quem governou nos 20 anos anteriores –, é de 20% de adesão. Os partidos que apoiam o governo Piñera têm 30%. Ambas são muito baixas. Portanto, há uma incerteza política a respeito do que vem. É necessário ser capaz de dar respostas às mudanças reivindicadas, mas não há oposição que seja capaz de oferecer uma alternativa. As pessoas sentem que do governo da Concertación restaram muitas dívidas, com muitas tarefas pendentes na sociedade, como o tema da educação. A sociedade chilena tem uma espécie de depressão de longo tempo, acumulada, que vai gerando raiva que se expressa de forma individual, na maioria das vezes, ou de forma coletiva com esses movimentos sociais. De maneira que eu acredito que os partidos políticos de oposição têm uma tarefa complicada nesse sentido e necessitam ter a capacidade de interpretar os desejos das pessoas que se mobilizam hoje em dia, que é uma tremenda responsabilidade com o futuro do país. Tanto os partidos tradicionais, quanto outros partidos que possam surgir a partir dessas mobilizações.



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